06 setembro 2022

trippy

    Dessa vez, a resposta que eu precisava ouvir não veio da minha terapeuta, mas da ayahuasca. No final de agosto, recebi a notícia de que meu último exame não atingiu os resultados esperados pela minha médica e foi difícil sair do consultório sem me culpar e pensar que eu estava fazendo alguma coisa errada. Meses fazendo um tratamento e ainda tenho câncer, a culpa deve ser minha. A psicóloga já tinha me pedido para procurar um psiquiatra e tomar algum ansiolítico para ansiedade, porque o choro e a dor estavam frequentes e constantes nos meus dias. E foi no meio desse turbilhão de sentimentos e emoções que decidi buscar a ayahuasca.
    Há alguns anos eu já havia pesquisado sobre o assunto, em outro momento no qual me senti perdida e sem rumo. E desde junho desse ano, essa vontade retornou com muita força, então tomei coragem para procurar um centro de meditação. No último sábado, passei a tarde isolada nesse centro, das 15h as 22h, e lá encontrei o que estava buscando.
    Cheguei exatamente no horário marcado e me sentia agitada internamente. Talvez fosse o medo de experimentar algo pela primeira vez e não saber as consequências, ou a ansiedade de tomar logo o chá e obter respostas. Fui muito bem acolhida no centro que escolhi, todos muito calmos, prestativos e simpáticos. Escolhi meu lugar, preenchi os documentos necessários, fui ao banheiro e aguardei começar. Antes de iniciar o ritual, o irmão, como se intitula, falou por cerca de 40 minutos sobre o que fazer, evitar, e outros protocolos importantes principalmente para quem experimentaria a ayahuasca pela primeira vez, como era meu caso. Fiquei muito atenta as instruções, mas confesso que em determinado momento eu já estava mais ansiosa do que quando cheguei ali, já não sabia mais se queria fazer aquilo, fiquei insegura e pensando que poderia morrer. Um pensamento que estava comigo quase constantemente.
    Após os avisos, formamos uma fila para tomar a primeira dose e fui a segunda pessoa a beber o chá. Depois disso eu voltei para o meu lugar e aguardei os outros irmãos trazerem os colchonetes onde deitaríamos. Enquanto aguardava o efeito começar, eu mentalizava todas as perguntas que escrevi antes de sair de casa para me questionar enquanto estivesse no transe. Após sentar no colchonete em posição de meditação, eu passei a trabalhar minha respiração enquanto ouvia os hinos tocando na caixa de som ao meu lado. Alguns minutos após focar intensamente na meditação, comecei a sentir minha mente mais consciente. Eu sempre começo minha meditação imaginando que sou um pássaro voando sobre um penhasco, e mesmo com um medo absurdo de altura, essa é a imagem que mais me deixa em paz para meditar. Enquanto a minha mente vagava sobre uma floresta, eu me vi em meio as árvores, e foi nesse momento que tudo mudou. Eu entendi que estava no transe e passei a criar meus cenários. Da floresta eu desejei estar no meio do cosmos, em Júpiter, visitando outras galáxias, depois voltei a Terra e visitei o ponto mais profundo do oceano, que eu tinha visto em um vídeo dias antes. E depois eu passei a criar telas na minha mente, pinturas cósmicas oceânicas e depois, padrões psicodélicos que se moviam de acordo com a música. Nesse transe intenso, eu trouxe minhas perguntas e meu medo de morrer. As respostas vieram tão rápido que eu me surpreendi. Naquele momento, deitada em um colchonete, abraçada em um cobertor, trêmula, aos prantos, eu vi a morte.
    Engraçado como sempre fui cética sobre tudo, e até por isso não sigo nenhuma religião, e no instante em que eu estava no transe, eu acreditei que existe algo pós vida. Não era um espírito e nem uma reencarnação, mas no meu subconsciente, a morte é a junção de TUDO. Eu, você, meus pais, namorado, música, chão, terra, cosmos, planetas, plantas e absolutamente tudo que existe. Na minha mente, a morte é tudo que já foi e tudo que será, tudo que passou e todas as pessoas que já existiram, e mais ainda, tudo é único e unido. Não existe mais diferença entre nada, porque tudo é um momento ou coisa só. Eu vi que meu corpo, cheio de células cancerígenas, não era mais um corpo ali, porque eu era parte de um todo, cheio de cores e foi então que percebi como a morte é linda. Lembro de pensar que a vida é incrível, mas a morte era muito mais bonita.
    Entender que não preciso ter medo da finitude da vida foi minha primeira conclusão desse processo. Aceitar que tudo tem seu ciclo do nascimento a morte foi fundamente para encarar que eu apenas voltaria para onde tudo começou, para dar continuidade a outros ciclos. Durante o transe, ainda entendi que a morte era algo que aconteceria mas que eu estava me preocupando com ela muito antes do necessário. Nessa busca por respostas, minha mente me pediu para ficar no presente, aproveitar cada segundo que me resta enquanto estiver viva, sendo meses ou anos. Ficou claro que eu não estava respeitando meu momento de dor, mas estava fugindo e escondendo os medos atrás de tarefas. Eu lembro de ter me sentido sozinha nesse processo, embora esteja cercada por tantas pessoas boas. A autocobrança também estava ali, e me perdoei por não atingir o que eu desejei e sonhava em fazer até os 30 anos. Pedi perdão a mim por não me respeitar, amar e me culpar tanto. Consegui olhar para as minhas conquistas e me  admirei por continuar lutando. Até esse momento, eu tinha aceitado a morte mas compreendi que meu corpo ainda estava muito vivo e por isso eu deveria aproveitar cada momento para mim. Fosse me alimentando melhor, lendo, me divertindo, abraçando as pessoas que amo ou viajando. Entendi que precisava de tempo para mim, apenas isso, sem preocupações e estresse externo, os próximos meses devem ser de atenção total comigo. Fiquei em paz com a decisão de me afastar do trabalho para cuidar mais da minha saúde física e mental. Perdoei-me por decidir parar ao invés de continuar insistindo em ser a mesma arquiteta que eu era antes do tratamento. Não me julguei, apenas aceitei de coração aberto tudo que minha mente madura me mostrou.

continua
    

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